Coletiva de Imprensa - O Barulho da Noite
- Carol Oliveira
- 23 de ago. de 2023
- 5 min de leitura
Coletiva realizada na manhã seguinte a exibição do filme no Festival de Cinema de Gramado

Na manhã de 16 de Agosto de 2023, se reuniram na sociedade recreio gramadense, parte do elenco e da equipe do longa metragem "O Barulho da Noite", longa de Tocantins, com direção de uma mulher, negra, estreante na direção de longas de ficção, Eva Pereira.
Compuseram a coletiva de imprensa a própria diretora Eva Pereira, os dois atores Emanuelle Araújo e Patrick Sampaio, bem como André Sampaio montador, Bernardo Gebara desenhista de som e mixagem, Juliana Lira responsável pela distribuição do filme, Vania Catani Co produtora e Marcio Mazaron Produtor.
Além destes profissionais, compõem a equipe do longa o fotografo Fabricio Tadeu, a diretora de arte, Karen Araújo, figurino por Rô Nascimento. É importante ressaltar também que esta produção só foi possível devido ao uso de recursos do Fundo Setorial Prodecine 1. O longa foi produzido pela MZN Filmes em coprodução com a Bananeira Filmes.
De acordo com a idealizadora do projeto, diretora e roteirista Eva Pereira, o longa demandou 20 anos para sua realização, tendo sido filmado em 2018 em meio a pandemia, e por questões orçamentária, demoraram a conseguir finalizar sua pós produção.
"Esse filme me levou a um processo de imersão na realidade que me tirou o sono e a vida por 20 anos, entre os sete de pesquisa. Não entendia, até então, que minha arte se tornaria um instrumento de cura interior. Não conseguia lidar com o que vinha pra mim ao pesquisar sobre mulheres que viveram coisas parecidas com a Sônia. Nesse processo, eu queria justiça, e não encontrava. Quando entendi o que tem por trás dessas histórias, doeu muito em mim. O roteiro final é imensamente mais suave do que as histórias reais", disse a diretora e roteirista, Eva Pereira.
De acordo com a diretora, ela notou o quanto a realidade da história retratada em forma de ficção na trama, estava mais perto dela do que imaginava, a forma como o silêncio e o abuso extrapola classes sociais, de forma que a pergunta principal que fica é "O que paralisa as mães?"
“foi possível identificar logo no início das pesquisas que fizemos para o filme, mais de um elo entre todas as vítimas. Além da violência sofrida, compartilhavam o silêncio absoluto. É como se ele fosse parte do ritual. Ainda, uma assustadora indiferença por parte de algumas mães, fruto da conivência em algumas situações e impotência em outras, em um misto de cumplicidade e dor, que desestrutura, maltrata e viola”. Eva Pereira
O filme que é denso, pesado, que ao mesmo tempo que derrubou a mente dos espectadores ao lhes apresentar uma realidade, os levantou para o que o longa pudesse ser aplaudido de pé em meio ao palácio dos festivais.
"Esse filme me obrigou a revisitar raízes, olhar as mulheres em torno de mim. É um universo que extrapola classes sociais. E eu queria abraçar cada uma dessas mulheres. Muita gente se pergunta o que paralisa essas mulheres, por que elas não reagem. Porque elas não tem amparo. Quando denunciam, são julgadas por todos. Foi um filme desafiador, que me curou. Tem muito mais de mim e do meu universo nesse filme do que eu gostaria. Não quero que ninguém ache o filme bonito. Quero que incomode mesmo". Afirmou a diretora.
De acordo com a equipe e o elenco, O Barulho da Noite retrata a história de um Brasil escondido, um olhar para a realidade dessa população, como ela realmente é, contribuindo para a visibilidade de situações difíceis para as mulheres.
Em questões técnicas, a equipe afirmou que grande parte da trama do longa é guiada pelo som, dada principalmente por uma perspectiva infantil, onde antes a mais velha cuidava da irmã mais nova e posteriormente esse papel se inverte, assim como quanto a mãe e o pai, onde antes a mãe era a mandona e autoritária e posteriormente o homem toma esse papel.
Desta forma, em O Barulho da Noite, consideram que é a sabedoria da inocência que traz todas as reações aos personagens e ao público, ofuscando o abuso como um costume já enraizado nessas famílias, onde mães realmente ensinam suas filhas a lidar com isso, pela impossibilidade de reação e pela luta pela sobrevivência, não sendo de forma alguma a forma como o espectador espera e almeja que as coisas aconteçam, mas sim, pela busca por uma força que não deveria ser necessária.
Aqui, a diretora afirmou ainda, que sua intenção com o filme não era de forma alguma vilanizar a personagem da mãe que não toma atitudes mais drásticas frente ao abuso da própria filha, muito pelo contrário, a intensão era incomodar e mais, trazer uma realidade.
A atriz Emanuelle Araújo concordou afirmando:
"O incômodo que o filme causa é importante e necessário porque torna o problema visível. Queríamos contar uma história bonita, da mãe que defende a filha de situações de abuso, mas muitas vezes essa história não existe. O que existe são mulheres sozinhas que, se forem enfrentar, vai morrer todo mundo. A passividade da personagem é uma forma de defesa. Não é só a história desse filme, é a história do Brasil. São histórias muitas vezes escondidas. Espero que esse filme faça a gente olhar para a realidade como ela é, e contribuir com a visibilidade de situações que acontecem o tempo todo, inclusive a passividade e a banalização do abuso".
A personagem de Emanuelle quando observada mais a fundo sobre sua construção, é uma mãe que é negligenciada pelo marido, de forma que seus desejos e ambições levam as consequências desastrosas da trama, em uma sociedade permeada pelas lendas do sertão, onde a mulher é proibida de ter desejos, são julgadas tanto quando falam como quando ficam caladas e que são tratadas como personagens que já tem seu destino definido pelos homens de sua família e a reputação que as precede.
Tudo no filme traz uma simbologia, e nem tudo traz uma resposta. Ao analisar o longa mais a fundo, podemos notar a figura do pai lobisomem, como uma masculinidade doentia que predestina as mulheres de sua família ao mesmo, assim como a religião e a presença do Divino Espirito Santo, induz aos sentimentos de pertencimento social e fugir de forma mais sutil as expectativas da masculidade social.
Um filme repleto de camadas e temas extremamente sensíveis, e com um elenco mirim de duas jovens meninas. Para realização do filme com relação ao cuidado com a saúde física e mental das atrizes, a equipe ainda comentou:
"Fizemos de tudo para proteger as crianças, os sons do momento de abuso por exemplo, fizemos uma brincadeira de que ela tinha que se livrar de mim, para poder correr e ir brincar, pois eu a estava impedindo" afirmou o ator Patrick Sampaio.
A diretora Eva Pereira complementou dizendo:
"Era importante que falássemos sobre esse assunto, pois agora elas viram o filme, elas tinham que entender desde cedo, e conversamos de uma forma a que protegêssemos as crianças, desligando elas das emoções das personagens, pois são atrizes de 4 e 7 anos, fizemos um trabalho intenso na pré e na pós com psicólogos pra ajudar nesse processo"
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